MPT e OIT lançam Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil
Com o uso de tecnologia livre e gratuita, a ferramenta transforma dados oficiais em inéditos e poderosos instrumentos para políticas públicas
Brasília, 26/07/2019 - Entre 2007 e 2018, foram notificados 300 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes até os 17 anos e, no mesmo período, foram registrados 42 óbitos decorrentes de acidentes laborais na faixa etária dos 14 e 17 anos. Em 2017, cerca de 588 mil crianças com menos de 14 anos trabalhavam em atividades agropecuárias e 480 mil estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental declararam trabalhar fora de casa. Foram identificados, ainda, 2.487 pontos como vulneráveis à exploração sexual comercial de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais durante o biênio 2017-2018.
Essas são algumas das evidências trazidas pelo diversificado e vasto manancial de informações disponibilizadas pelo Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, lançado ontem (25), na Procuradoria-Geral do Trabalho, em Brasília.
Os dados do novo observatório são oriundos de repositórios públicos e oficiais integrantes do Sistema Estatístico Nacional, abarcando informações de pesquisas e levantamentos censitários do IBGE e das áreas da Educação, Saúde, Trabalho e Previdência Social, Justiça, e Assistência e Desenvolvimento Social. O diferencial da plataforma é a apresentação de todos esses dados de forma plenamente integrada, amigável e acessível para todas as localidades brasileiras que integram o pacto federativo.
De acordo com o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, “o observatório é um poderoso instrumento de planejamento de ações no âmbito de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil”. Ele cita que “a integração de técnicas big data com mecanismos de análise de dados e métodos de gestão do conhecimento potencializa a identificação territorial e das especificidades da exploração do trabalho de crianças e adolescentes, de modo que novos fluxos de informação fortaleçam atores públicos e privados que compartilham a responsabilidade de enfrentar esse desafio”.
Segundo o diretor do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Martin Hahn, “a eliminação efetiva do trabalho infantil é um dos princípios que esteve na base da criação da OIT, em 1919, e que tem permanecido como um objetivo fundamental ao longo destes 100 anos. A ampliação da base de conhecimento sobre as especificidades do trabalho infantil é fundamental para a sua prevenção e erradicação e, portanto, o lançamento deste observatório é um importante contributo para o cumprimento da meta 8.7 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, particularmente no concernente à parte que abarca a eliminação das piores formas de trabalho infantil e, até 2025, acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.
O observatório conta com o apoio do Conselho Nacional do Ministério Público, do IBGE, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e de uma série de parceiros e colaboradores que publicaram dados em plataformas de dados abertos.
A coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho, Patrícia de Mello Sanfelici, observa que “o acesso aos dados relacionados ao trabalho infantil e à aprendizagem profissional de modo facilitado, organizado e concentrado em um observatório é elemento fundamental para que as ações do MPT, assim como de todos os órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, possam encontrar seu melhor resultado e, assim, colaborar cada vez mais para a total erradicação desta profunda chaga social”.
SmartLab de Trabalho Decente
O Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil foi concebido e desenvolvido no âmbito da SmartLab de Trabalho Decente, uma cooperação entre MPT e a OIT, que opera por meio de um laboratório multidisciplinar de gestão do conhecimento com foco na promoção do trabalho decente no Brasil.
O procurador do Trabalho Luis Fabiano de Assis, que coordena a iniciativa, observa que “governos de todo o mundo produzem grandes quantidades de dados relevantes para políticas públicas, mas raramente esses dados se transformam em informações úteis à tomada de decisões.” Assis acrescenta que a SmarlLab, nesse contexto, “surgiu para construir conhecimento relevante para políticas públicas de promoção do trabalho decente com o uso de um recurso público de baixíssimo custo: dados públicos abertos”.
Ainda segundo Assis, a ideia se funda no conceito de prática inteligente: “Por definição, uma prática inteligente (smart practice) aproveita uma oportunidade latente de gerar valor público gratuitamente ou com baixíssimo custo, de forma replicável e com recursos que em geral as organizações já possuem, no caso, dados e conhecimento a respeito de como utilizá-los”. Para construir os observatórios, “a iniciativa SmartLab considerou fundamental o foco em dados municipais para a discussão de políticas públicas territorializadas, baseadas em evidências e com foco em resultados”, concluiu.
Trabalho fora de casa
O observatório apresenta os dados da Prova Brasil (SAEB) 2017, realizada pelo INEP/MEC, como importante recurso para a identificação do trabalho infantil. Um dos questionários respondidos espontaneamente pelos alunos abordou o tema do trabalho fora da casa. As informações referentes às escolas públicas (cujo levantamento foi de caráter censitário) indicavam que 480 mil estudantes respondentes do 5º e 9º anos do ensino fundamental declararam trabalhar fora de casa em 2017. Entre o total dos alunos do 5º ano, a incidência do trabalho fora de casa era de 12% (246 mil alunos) do total dos que responderam ao questionário. Já entre os estudantes do 9º ano, o percentual dos que trabalhavam fora de casa era um pouco maior: 14% (234 mil estudantes). Sabe-se que o trabalho afeta sobremaneira o aprendizado e, consequentemente, o rendimento escolar, já que as crianças ficam mais cansadas e sobrecarregadas. É comum, nesse cenário, o abandono escolar.
A ferramenta também mostra um expressivo contingente de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil atualmente frequentando a escola, mas destaca que os dados absolutos de estudantes trabalhando fora de casa, segundo a Prova Brasil, não devem, sob nenhuma hipótese, ser assumidos como todo o universo dos alunos do ensino fundamental que trabalham. Os números se referem às escolas que aderiram e participaram segundo os critérios estabelecidos pelo MEC/INEP e abarcam os questionários efetivamente aplicados e respondidos. Apesar disso, as informações são preciosas e estratégicas para a implementação de políticas públicas, uma vez que se pode, por seu intermédio, identificar mais claramente os bolsões de trabalho infantil tanto em magnitude quanto em incidência. Além disso, pode-se potencializar o processo de busca ativa nos municípios e nas escolas e reforçar as ações de prevenção e erradicação nos estabelecimentos educacionais. Com este intuito, em breve, o observatório disponibilizará as informações georreferenciadas por escolas.
Atividades agropecuárias
Os resultados preliminares do Censo Agropecuário 2017, realizado pelo IBGE, apontaram a existência de aproximadamente 588 mil crianças com menos de 14 anos trabalhando em atividades agropecuárias. Segundo a legislação brasileira, o trabalho é terminantemente proibido para esta faixa etária. Esse contingente de crianças em situação de trabalho proibitivo correspondia a 3,9% do total da mão de obra ocupada nos estabelecimentos, considerando-se todas as idades. Entretanto, em algumas unidades federativas, a participação irregular da mão de obra infantil era ainda mais preocupante, a exemplo de Roraima (12,7%), Amazonas (11,3%) e Pará (8,3%), assim como o número absoluto de crianças com menos de 14 anos trabalhando: 81 mil no Pará e 71 mil na Bahia. Em 245 municípios (4,5% do total), o trabalho infantil corresponde a pelo menos 10% da mão de obra total da agropecuária, alcançando até 48,2%.
Outra informação relevante disponibilizada pelo Observatório é a distribuição do trabalho infantil segundo a existência de laços de parentesco com o produtor. De um lado, a existência desses laços revelam proxy da agricultura familiar e sua inexistência se apresenta como proxy da agricultura empresarial. Nessa perspectiva, os dados do Censo Agropecuário 2017 revelam que 507 mil crianças trabalhavam em estabelecimentos com laços de parentesco com o produtor, o correspondente a 86,3% do total. Na média nacional, a utilização da mão de obra infantil nos estabelecimentos sem laços de parentesco com o produtor representava 13,7% do total na época do Censo, mas em alguns estados assumia proporções significativas e até mesmo uma preocupante primazia: 59,7% em São Paulo, 32% no Mato Grosso do Sul e 30% no Espírito Santo.
“Ao disponibilizar essas informações e indicadores sobre o trabalho infantil em atividades agropecuárias, o observatório se alinha e colabora com o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, realizado anualmente no dia 12 de junho, cujo tema da campanha de 2019 foi exatamente `As crianças não devem trabalhar no campo, mas em sonhos!`”, destacou o diretor da OIT Martin Hahn.
Exploração sexual comercial
O Mapeamento dos Pontos Vulneráveis de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCA) em Rodovias e Estradas Federais (MAPEAR), realizado pela Polícia Rodoviária Federal com o apoio de diversas instituições, é outro instrumento de grande relevância para políticas públicas de proteção de crianças e adolescentes, inclusive para responsabilizar todos aqueles que lhe deram causa à violação desses direitos. A ESCA é uma prática criminosa que consiste na utilização de meninos e meninas com menos de 18 anos em atividades sexuais remuneradas. Enquadram-se nesse tipo de crime a exploração do comércio do sexo, a pornografia infantil e a exibição de meninos e meninas em espetáculos sexuais, como shows eróticos. Por fim, a ESCA é enquadrada como uma das piores formas de trabalho infantil, segundo a conhecida Lista TIP, instituída pelo decreto Nº 6.481/2008, que regulamentou termos descritos na Convenção 182 da OIT adotada no ano de 1999, sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação, ratificada pelo Brasil no ano de 2000.
Durante o biênio 2017/2018 de atualização do mapeamento - que percorreu 71 mil quilômetros de rodovias e estradas federais ao longo das 27 unidades federativas do país - foram registrados 2.487 pontos como vulneráveis à ESCA. Desses pontos, 489 (cerca de 20% do total ou 1 em cada 5) foram considerados críticos, apresentando características de locais de prostituição de adultos, como pontos de venda ou consumo de bebidas alcoólicas, casas de “shows”, aglomerações e estacionamentos de veículos em trânsito, postos de abastecimento à beira da estrada com presença de caminhões e carretas, entre outros. Outros 653 pontos foram classificados como de alto risco (aproximadamente 26% do total). Se considerados os pontos críticos e de alto risco, pode-se afirmar que metade (46%) dos pontos vulneráveis são merecedores de atenção especial da rede de proteção de crianças e adolescentes.
Apresentando nova perspectiva para esses dados, o observatório apresenta informações do projeto MAPEAR georreferenciadas por unidades federativas e municípios, com a identificação do número de pontos segundo o nível de risco, a concentração dos pontos por rodovia federal e características principais dos locais vulneráveis.
Acidentes de trabalho
Segundo informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, foram notificados 300 mil acidentes entre crianças e adolescentes com até 17 anos de idade, durante o período de 2007 a 2018. Vale ressaltar que mais da metade das notificações de acidentes laborais (162 mil ou 54,0% do total) ocorreram entre crianças com menos de 12 anos de idade, cujo trabalho é permanentemente proibido pela legislação nacional. Considerando-se somente o triênio de 2016 a 2018, foram registrados 111 mil acidentes na faixa etária até os 17 anos.
Já considerando-se os acidentes registrados no INSS com base na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), observa-se o registro de 17,2 mil acidentes entre crianças e adolescentes de 14 a 17 anos no emprego formal (com carteira assinada, na condição de aprendiz ou empregado) durante o período de 2012 a 2018.
Entre os principais agentes causadores de acidentes destacam-se os veículos de transporte (17%), máquinas e equipamentos (16%), quedas do mesmo nível (11%), agentes químicos (8%), mobiliário e acessórios (8%) e ferramentas manuais (7%). As atividades econômicas que mais registraram acidentes vitimando essa população vulnerável foram o comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios – hipermercados e supermercados (21%) e restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (10%). Durante este mesmo período, de 2012 a 2018, foram registrados 42 óbitos decorrentes de acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes de 14 a 17 anos.
Trabalho escravo
O trabalho infantil e o trabalho escravo são fenômenos complexos e inter-relacionados. É grande a probabilidade de que crianças que trabalham se tornem adultos vulneráveis às piores formas de exploração do trabalho humano, algo que se inicia frequentemente durante a infância. Do mesmo modo, é grande a probabilidade de que filhos de trabalhadores explorados se tornem vítimas do trabalho infantil. Essa relação perversa aprisiona famílias inteiras em um ciclo vicioso de violações extremas de direitos humanos e laborais. É importante, consideradas essas variáveis, entender esses fenômenos conjuntamente, em busca de políticas de repressão e prevenção integradas com foco em transformação em âmbito familiar e domiciliar. Segundo as informações da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, 937 crianças e adolescentes vítimas de trabalho escravo foram resgatadas entre os anos de 2003 a 2018.
Rede de Proteção
O Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil ainda disponibiliza informações sobre Aprendizagem, Proteção Social e Garantias de Direitos coletadas em anos recentes, além das informações sobre o trabalho infantil nos municípios brasileiros, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010.
Mesmo passados nove anos da época da coleta e seis da sua divulgação completa, as informações de trabalho e rendimento do Censo 2010 do IBGE ainda são as únicas que permitem a compreensão da completude e diversidade dos mercados de trabalho nos municípios do país, inclusive sobre o trabalho infantil.
Fonte: Procuradoria-Geral do Trabalho
Informações: (61) 3314-8500
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