Cerca de 60 mil foram resgatados do trabalho escravo de 1995 a 2022
Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas foram atualizados
Brasília (DF), 04/05/2023 - Com a participação de sobreviventes da escravidão contemporânea, gestores públicos e autoridades, a cerimônia da atualização do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas foi realizada, nesta terça-feira (2.5), na sede da Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), em Brasília. A plataforma é desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente. O evento, presidido pela vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, foi transmitido ao vivo pelo YouTube.
Pelo sétimo ano consecutivo, o Observatório reúne de maneira integrada dados públicos sobre quatro dimensões das políticas públicas de erradicação do trabalho escravo: repressão, prevenção, proteção e parcerias. Atualmente, a gestão da plataforma conta também com a contribuição da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O observatório contextualiza a escravidão contemporânea e contribui para a atuação de gestores públicos, da sociedade civil, de pesquisadores e de jornalistas, guiando políticas públicas em cada um dos 5.570 municípios brasileiros, unidades federativas e em âmbito nacional.
Entre outras informações, os dados mostram que, entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas foram encontradas trabalhando em condições análogas às de escravo no Brasil. Desse total, 2.575 foram resgatadas no ano passado, período em que os estados com maior número de resgates foram Minas Gerais (1.012 pessoas, alta de 32% em relação a 2021), Goiás (267 pessoas, +12%), Piauí (180 pessoas, +480%), Rio Grande do Sul (156 pessoas, +105%) e São Paulo (146 pessoas). Mais informações sobre dados históricos e tendências podem ser consultadas na seção de Áreas Prioritárias e Análise Comparativa da plataforma.
A nota completa sobre os dados atualizados também revela, pela primeira vez, fluxos migratórios internacionais de sobreviventes de outras nacionalidades resgatados no Brasil (em especial bolivianos, haitianos, venezuelanos, paraguaios e chineses) e fronteiras brasileiras mais vulneráveis, com destaque para Corumbá (MS), Epitaciolândia (AC) e Pacaraima (RR).
Além disso, o Observatório mostra deficiências graves em programas sociais que poderiam reduzir vulnerabilidades à escravidão contemporânea: para os resgates ocorridos de 2010 em diante, apenas 46% das pessoas resgatadas, em média, estavam registradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) no momento em que foram encontradas; e, do total de resgatados desde 2003, cerca de 74%, apenas, possuem atualmente algum tipo de cobertura assistencial dessa natureza. O CadÚnico é o principal instrumento de identificação e caracterização da situação socioeconômica das famílias de baixa renda que residem em território nacional. É a inscrição no CadÚnico que permite às famílias de baixa renda o acesso aos Programas Sociais do Governo Federal como o Bolsa Família.
“Ao divulgar dados sobre lacunas nas políticas públicas relacionadas à meta de erradicação, o Observatório colabora com o fortalecimento não apenas de ações de repressão, mas sobretudo de proteção de sobreviventes, prevenção de novas ocorrências e parcerias para alcançar essas metas, de acordo com o paradigma delineado em normas internacionais sobre o objetivo de eliminar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas”, esclarece Luis Fabiano de Assis, procurador do Trabalho, cientista de dados e coordenador da Iniciativa SmartLab e do Observatório.
O evento contou com a presença do agente de Cidadania Gildásio Meireles, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) Carmen Bascarán, de Açailândia (MA). Sobrevivente do trabalho escravo, ele relata que, hoje, atua como agente de cidadania. “Os agentes de cidadania são pessoas das próprias comunidades onde o centro atua. São formados para atuar como pontos focais no atendimento gratuito da comunidade, na articulação dessas pessoas e no fortalecimento de sobreviventes do trabalho escravo, inclusive com cursos e treinamentos”.
A CEO do Fundo Global para o Fim da Escravidão Contemporânea, Sophie Otiende, sobrevivente do tráfico de pessoas, participou do evento de forma remota, a partir de Nairobi, capital do Quênia. Ela destacou que “é preciso fortalecer sobreviventes da escravidão contemporânea para que se tornem líderes, protagonistas, que se engajem efetivamente no desenho das políticas públicas de erradicação”.
A vice-PGT, Maria Aparecida Gugel, ressaltou que "o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas traz informações essenciais a processos de tomada de decisões quanto a medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, de acordo com a meta 8.7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A plataforma oferece subsídios valiosos para a identificação de áreas prioritárias, com detalhamento geográfico e contextual de vulnerabilidades, apontando onde os casos ocorrem, com qual frequência, se há mudanças ao longo do tempo e quais os grupos afetados, brasileiros e brasileiras, e com a atualização, em 2023, de imigrantes de outras nacionalidades, no Brasil”.
Ela acrescentou que os cinco observatórios digitais da iniciativa SmartLab contam com mais de 1 milhão de visitas, de mais de 80 países, consolidando-se como o maior repositório de informações e conhecimento sobre trabalho digno no Brasil. Segundo a vice-PGT, a plataforma recebeu, no último ano, o acesso de mais de 100 mil novos usuários, 93% eles do Brasil e 7% de outros países.
A coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho do Escritório da OIT para o Brasil, Maria Cláudia Falcão, afirmou que hoje é um dia emblemático para o lançamento da atualização do Observatório, pois, em 1º de maio, Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, o governo federal encaminhou para o Congresso Nacional manifestação de apoio à ratificação do Protocolo Facultativo da Convenção OIT nº 29, sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório.
O juiz federal Carlos Haddad, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG, ao apresentar o estudo “Trabalho Escravo na Balança da Justiça”, destacou a grave impunidade no campo da Justiça Criminal: apenas 4,2% dos acusados são condenados. O estudo examinou 1464 processos criminais e 423 ações civis públicas de 2008 a 2019. “Em cada 100 pessoas acusadas em âmbito criminal, somente 4 serão condenadas definitivamente. Em 2021 houve 52 absolvições transitadas em julgado e 3 condenações, o que mostra a manutenção do percentual identificado no estudo”.
A abertura do evento também contou com a presença do secretário do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), o juiz do Trabalho Bráulio Gabriel Gusmão, representando o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes Corrêa; do secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira, que representou o ministro Flávio Dino; e da diretora do Departamento de Fiscalização do Trabalho a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Aline Bessa de Menezes. A coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Lys Sobral Cardoso, também esteve presente ao evento, bem como outros membros do MPT, representantes do Judiciário e entidades parceiras no combate ao trabalho escravo.
*Foto: Ubirajara Machado
Fonte: Procuradoria-Geral do Trabalho
Informações: (61) 3314-8101/8233
www.mpt.mp.br
Tags: trabalho escravo, Ministério Público do Trabalho, tráfico de pessoas