Apicultores das águas: famílias pantaneiras produzem mel como alternativa de renda
Destinação de recurso trabalhista, oriundo de ação ajuizada pelo MPT, viabilizou a execução do projeto
19/04/2022 - A produção de mel será uma possibilidade de renda para algumas famílias do Pantanal sul-mato-grossense que, desde o início do ano, têm recebido treinamento e materiais para realizar a atividade. Os novos apicultores vivem na Ilha do Mato Grande, um local remoto às margens do rio Paraguai, a cerca de três horas de transporte fluvial partindo do município de Corumbá/MS.
O projeto é resultado de parceria formalizada entre o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) e a Ecologia e Ação (Ecoa), organização sem fins lucrativos que há 33 anos atua na preservação do Pantanal. Para a execução da iniciativa, foram destinados mais de R$ 23 mil ao financiamento de uma série de intervenções junto à comunidade ribeirinha: aquisição de insumos e equipamentos para a formação e implementação do sistema de produção apícola, transporte e entrega dos materiais, além da contratação de um apicultor responsável pelo treinamento, assistência e monitoramento das famílias beneficiadas.
Essa verba é proveniente de sentença proferida no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo MPT, após a constatação de diversas irregularidades trabalhistas em uma fazenda localizada no município de Paraíso das Águas/MS. À época, o proprietário rural foi condenado em obrigações de fazer que visaram à adequação do meio laboral, mas o parcial descumprimento delas culminou na aplicação de multas cujo montante foi revertido em favor da sociedade. É o caso desse projeto voltado à produção apícola por famílias ribeirinhas no Pantanal, constantemente vulneráveis a crises climática, econômica e social.
Logística
Em março deste ano, os ribeirinhos receberam macacões de proteção, 15 caixas ninho para colmeias, 45 melgueiras, cera, fumegadores e até os primeiros enxames, que viajaram de barco até o local onde o apiário será instalado. O trabalho deve ser executado a médio prazo, iniciando com o aprendizado para implantação do apiário até chegar ao manejo de produção. A estimativa é que os enxames estejam aptos para início de produção em aproximadamente quatro meses.
Após os incêndios e período de seca extrema que atingiram a região pantaneira nos últimos anos, fontes de renda como pesca e coleta de iscas foram bastante impactadas. Diante desse cenário, o desenvolvimento da apicultura no local é considerado uma "luz no fim do túnel" por Nilza de Arruda, de 60 anos, matriarca da família beneficiada. "Para mim, o mel é uma grande alegria. É uma coisa que a gente queria muito e que vamos cuidar para dar certo", projeta.
Para Nilza, o trabalho também é uma oportunidade de ajudar o Pantanal a se recuperar das queimadas. "Depois do fogo, tudo adoeceu, nós seres humanos, os animais. E o Pantanal também ficou doente. Ter abelhas e produzir o mel é um jeito de cuidar da natureza, ajudar a recuperar nosso Pantanal e ter uma renda que talvez não precise mais mexer com pesca, com isca", observa.
Eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes, inclusive na região pantaneira. Carol Pauliquevis, bióloga da Ecoa responsável pela execução do projeto, explica que é fundamental fornecer alternativas diante das mudanças já perceptíveis no cenário.
"A gente tem visto cada vez mais presente e forte na região a ocorrência de secas extensivas e incêndios de grandes proporções. Isso afeta diretamente a flora, a fauna e as pessoas que vivem no Pantanal. Afeta também suas formas de renda. Temos notado uma baixa quantidade de peixes e de iscas. Então tentamos viabilizar meios de subsistência, existência e permanência nos territórios", esclarece a profissional.
Outro ponto importante apontado pela bióloga é o serviço ambiental prestado pelas abelhas, o da polinização. "Além do mel em si, as abelhas introduzidas também entregam o serviço ecossistêmico de polinização, fundamental para a recuperação da flora pantaneira após os incêndios".
Singularidade
Cleberson Bervian é apicultor, proprietário da empresa Apizzz Apicultura e consultor responsável pelo treinamento oferecido às famílias. Ele explica que o mel produzido na região pantaneira é único. "A flora daqui é muito especial. É uma mistura muito intensa de árvores, arbustos, principalmente trepadeiras e plantas herbáceas de crescimento rápido. Isso compõe um mel multifloral que é muito característico".
O fortalecimento dos enxames, momento em que as abelhas estarão prontas para produzir, deve coincidir com a floração do Cambará, espécie que ocorre com abundância no Pantanal e que será a marca principal do primeiro mel produzido.
"A ideia é aproveitar essa floração de cambará para converter em mel e iniciar a venda para turistas. Vamos tentar integrar a produção para ter oferta de mel ao longo do ano todo, aproveitando as florações para atender esse mercado que tem demanda gigante", aponta Cleberson.
Ainda segundo ele, um fator que favorece a produção é presença constante de turistas na região, considerada rota de pesca. "Muitos encostam nas casas pedindo produtos daqui. E o mel tem um apreço muito grande. Poder ajudar essas famílias a produzir um produto tão nobre, bonito e supervalorizado é muito bacana. E tudo depende de três fatores: das abelhas, do clima e das pessoas. E as pessoas envolvidas estão bem animadas, é o que a gente precisa para continuar", conclui.
Programa Oásis
A proteção e mesmo a recuperação da fauna de polinizadores é um desafio global que deve ser enfrentado com urgência. Deles dependem os ecossistemas e sua diversidade biológica e mesmo a sobrevivência da espécie humana, pois são fundamentais na produção de alimentos. Mas como implementá-lo?
O Programa Oásis visa a proteção dos polinizadores em diferentes nichos, incluindo cidades. Os projetos e ações do programa compreendem pesquisas; educação voltada às diferentes espécies e seu papel nos ambientes; riscos do uso de pesticidas na cidade e no meio rural; contenção de desmatamentos; formação de brigadistas contra queimadas; produção apícola e de abelhas em regiões livres de agrotóxicos, dentre outras medidas. Os efeitos das mudanças climáticas localmente também devem ser analisados.
Confira aqui outras fotos do projeto.
Referente à ACP nº 0024605-68.2018.5.24.0007 (PAJ 000598.2018.24.000/1-09)
Fotos: Ascom Ecoa
Fontes: Ecoa e Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul
Informações: (67) 3358-3035 | (67) 99275-8636 | (67) 99211-3420
www.prt24.mpt.mp.br | Twitter: @MPT_MS | Instagram: @MPT_MS
Tags: Ministério Público do Trabalho, proteção dos trabalhadores, Destinações