Justiça do Trabalho reconhece competência material para declarar que empregador reduziu trabalhadores a condições análogas às de escravo
Segunda Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região apreciou recurso ordinário interposto pelo MPT em Mato Grosso contra decisão de primeiro grau
Cuiabá, 22/01/2020 – A Justiça do Trabalho reconheceu sua competência material para declarar que um empregador reduziu trabalhadores a condições análogas às de escravo. A Segunda Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, ao apreciar recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) contra a decisão de primeiro grau, deu provimento ao pedido e declarou, por unanimidade, que o réu Agnaldo Martins Rodrigues, proprietário da fazenda Capão de Palha, localizada no Município de Poconé, sujeitou trabalhadores a condições degradantes de trabalho.
“(...) reconhecida a realização de trabalho em condições degradantes, bem como a existência de medidas adotadas pelo empregador tendentes a impedir a ampla liberdade de locomoção dos seus trabalhadores, é forçoso reconhecer que restou comprovada a redução dos empregados à condição análoga à de escravo”, pontua o relator em trecho do acórdão.
Várias irregularidades foram constatadas na fazenda Capão de Palha. Entre elas, a falta de registro em CTPS e condições indignas de alojamento - os trabalhadores ficavam no mesmo barracão, que não tinha portas ou janelas, e dormiam em redes. Também não tinham acesso à energia elétrica e a locais apropriados para as necessidades fisiológicas.
A fazenda não fornecia equipamentos de proteção individual e as testemunhas chegaram a declarar que se alguém fosse picado por uma cobra poderia até morrer no local, considerando a ausência de assistência médica e a dificuldade de acesso à fazenda.
Além disso, foi narrado que o fazendeiro constantemente ameaçava, xingava e até agredia fisicamente os empregados que exigiam seus direitos ou que queriam deixar o trabalho. Todas as vítimas confirmaram que na fazenda não havia água potável. Para beber, elas tinham que retirar água suja de poças.
Na ação, o MPT repudiou a conduta do empregador. “Embora a escravidão moderna não tenha como característica a existência de castigos físicos, é relevante destacar a circunstância de ter havido violência física como elemento altamente agravante das condições degradantes de trabalho, haja vista que, além da sujeição a trabalho em lugar ermo, desprovido de materiais mínimos para a preservação da dignidade do ser humano que trabalha, quem ousasse reclamar da falta de pagamento de salários [os atrasos chegaram a durar seis meses] poderia vir a ser agredido”. (...) Não à toa, como declarado pelas testemunhas, muitos trabalhadores não ajuizaram reclamação trabalhista, sob o receio de sofrerem alguma retaliação. E aconteceram até mesmo casos de ameaça de morte, conforme consignado em ata de audiência e nos registros policiais. Isso representa violação à integridade física e psicológica dos trabalhadores, degradando o meio ambiente laboral e cerceando a reivindicação de direitos e o acesso à Justiça”.
As testemunhas ainda relataram a sujeição a uma jornada exaustiva de trabalho, que por vezes se iniciava de madrugada e terminava depois das 22h ou mesmo no dia seguinte. Na época, o MPT enfatizou que submeter uma pessoa a condições degradantes de trabalho configura trabalho escravo, “uma prática odiosa que deve ser rechaçada, tendo o Brasil se comprometido a extirpá-la de seu território”.
Condenação
Em sentença proferida em abril de 2019, o proprietário Agnaldo Martins Rodrigues foi condenado a realizar o registro na CTPS e a regularizar os problemas referentes ao meio ambiente do trabalho, além de pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 100 mil.
Quanto ao pedido de declaração de redução de trabalhadores a condições análogas às de escravo, o juiz da 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá declarou, na época, a incompetência material da Justiça do Trabalho para o seu processamento e julgamento, forçando o MPT a recorrer da decisão.
No recurso, o MPT-MT afirmou tratar-se de uma conclusão equivocada, uma vez que o objeto do pedido não seria a apuração penal do crime previsto no artigo 149 do Código Penal. “O que se almeja diretamente é tão somente o reconhecimento da situação degradante de trabalho, com vistas a cessar o cometimento de ilegalidades que afetam o direito do trabalho em sentido amplo. A declaração, portanto, não tem finalidade punitiva, mas sim pedagógica. Além disso, tem índole civil, e não criminal”, pontuou o procurador do Trabalho. Por fim, acrescentou que “se foi possível ao juiz determinar que o Réu se abstenha de reduzir os trabalhadores à condição análoga à de escravo, também seria possível a declaração de que essa prática foi cometida, até porque, ao deferir a obrigação de não fazer, houve reconhecimento do ilícito”.
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso
Informações: (65) 3613-9166
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